Era uma sexta-feira, noite. Palavras trocadas ao longe passavam a tornar menos distantes limites e aproximar sensações...
Para ler bebendo um vinho tinto seco e ouvindo Chico Buarque
Neste momento o último gole de vinho havia sido dado, mas ainda havia na garrafa, que, na cozinha, inclinada, mas não até então a mim, já que não sabia admirá-la, chamava para que o copo fosse novamente completado. Nas habituais dúvidas pensara se devia fazê-lo, sem saber ao certo o motivo da imprecisão, se a repressão de si própria ou de pessoas ao redor. O fato é que o copo se fez ouvir mais alto (nota-se a dificuldade em admitir sua vontade própria, já que não foi de fato o copo quem decidiu).
As mãos talvez tivessem vontade própria. Tornavam-se reflexos os pensamentos em palavras digitadas ao teclado e, ao mesmo tempo, involuntariamente, a melodia e letra que se ouvia da música ao fundo tornava-se simbioticamente parte do que se sentia que era o motivo primeiro do vinho, da música e dos reflexos. E, se “tem certos dias que eu penso em minha gente e sinto assim todo o meu peito se apertar”, há também os muitos dias que não é possível furtar-se dos pensamentos sobre si, esse que mais do que vontade, tem vida em si mesmo. São meras partes da indefinição, ou mesmo de uma fuga permanente que não quer ser percebida como latente, “porque parece que acontece de repente como um desejo de eu viver sem me notar”
Mas na vida não há fuga. Nem mesmo no momento em que esquivar-se seja libertar-se dela. Se o ato de deixá-la aparenta ser o cume do medo de viver, talvez essa seja, pelo contrário, a entrega maior à vida, agora desconhecida. Mas não é a vida que mete medo, são as pessoas, que “me metem mais medo que um raio de sol”.
Olhem o que Chico faz. Ou o que permite fazer. Espero que seja ele mesmo, não seja o vinho. Ou que sejam os dois e quem, ou o que, mais quiser ser. O texto inicialmente tinha outra intenção. Outros pensamentos. Agora já não há mais o vinho, apenas o violão. Os pensamentos também persistem. E vou tentando colecionar não sonetos, mas... que de qualquer forma continuam a maltratar meu coração. Se não tinham essa intenção, isso já não importa, o importante é o que se fez escrever, o que se passou e sentiu, é o que acabou de ser lido e o que significou. Por isso está acabado, como meus sentimentos.
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